Como a falta de atuação farmacêutica impacta os cofres públicos?
Por Valéria Gardiano
Quando pensamos em desperdício de recursos públicos na área da saúde, geralmente imaginamos medicamentos vencidos ou compras inadequadas. No entanto, há uma dimensão silenciosa e contínua desse problema: a subutilização da atuação clínica do farmacêutico no Sistema Único de Saúde (SUS). Ignorar o potencial deste profissional é permitir que dinheiro público seja desperdiçado. Estudos apontam que os custos relacionados a problemas com medicamentos, como reações adversas e não adesão ao tratamento, podem chegar a bilhões de reais anualmente no Brasil.
O farmacêutico não é apenas o responsável pela dispensação; ele é peça-chave no cuidado racional ao paciente. Quando atua de forma efetiva — orientando o uso correto, identificando interações perigosas, acompanhando tratamentos crônicos e prevenindo reações adversas —, ele evita retrabalho e internações desnecessárias. Cada real investido no acompanhamento farmacoterapêutico pode gerar uma economia de até dez reais em custos com complicações, segundo dados de projetos-piloto na área.
Infelizmente, a realidade em muitas unidades de saúde é outra: farmacêuticos restritos a funções administrativas ou simplesmente ausentes do cuidado clínico. Isso abre espaço para desperdícios em larga escala: pacientes que não sabem como utilizar seus remédios; estoques que expiram sem uso; e o agravamento de doenças por falta de acompanhamento. O resultado? Reinternações e aumento do número de exames e consultas — tudo com alto custo para o Estado.
A ausência de uma política pública, conforme recomendado por entidades como o Conselho Federal de Farmácia, que integre plenamente o farmacêutico às equipes de Saúde da Família é um erro estratégico. Em um país com alto índice de automedicação e uso irracional de medicamentos, a presença técnica do farmacêutico funciona como uma poderosa barreira de contenção de gastos. Iniciativas pontuais em municípios brasileiros já demonstram que essa integração reduz significativamente os índices de hospitalização e o consumo de medicamentos de alto custo.
Portanto, é urgente repensar a assistência farmacêutica no SUS não como um setor coadjuvante, mas como uma área estratégica de economia e eficiência. Valorizar o farmacêutico é valorizar o dinheiro do contribuinte e o direito da população a um cuidado de qualidade. A atuação plena desse profissional não é custo — é investimento com retorno garantido.
Valéria Gardiano é farmacêutica e mestre em Imunologia e Parasitologia pela UFMT. Atualmente, é vice-presidente e conselheira regional do CRF-MT.